APLICAÇÃO DA LEI PENAL
I. NORMA PENAL.
II. LEI PENAL NO TEMPO.
III. LEI PENAL NO ESPAÇO.
IV. CONFLITO APARENTE DE NORMAS.
V. LEI PENAL EM RELAÇÃO ÀS PESSOAS.
I – NORMA PENAL
1. PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL
O Direito cumpre sua função social construindo um complexo de proibições, obrigações e permissões. A proteção do mínimo ético cabe ao Direito Penal, que impõe obediência sob ameaça de pena, a qual implica privação de um bem jurídico. A legitimidade dessa intervenção estatal no campo dos direitos individuais encontra-se na garantia da proporcionalidade entre a ofensa a uma proibição e a resposta do Estado.
Daí o mandato de garantia conferido pelo ordenamento ao Direito Penal, que, para ser cumprido efetivamente, depende que as normas proibitivas tenham as seguintes características: exaustivas, exatas, públicas e legítimas. E, no Estado Democrático de Direito, a regra jurídica que se revela idônea para preencher essas exigências é a LEI, que recebe do ordenamento o mandato de garantia: não há crime, nem pena, sem lei – princípio da reserva legal ou da legalidade dos delitos e das penas.
A CF prevê o princípio da legalidade penal dentro dos direitos e garantias individuais, estabelecendo o princípio da isonomia, da restrita legalidade, da tipicidade e da anterioridade penal.
Tal princípio foi esboçado primeiramente na Magna Carta de 1215; mas ganhou força no séc. XVIII, com o Iluminismo e as idéias de Beccaria: aparece na Declaração da Virgínia, na Constituição Americana e na Declaração dos Direitos do Homem, tendo Feuerbach, em 1801, criado a expressão latina nullum crimen, nulla poena sine praevia lege.
Todavia a simples preexistência da lei ao fato não bastava, era preciso o enunciado descritivo do delito, com todos os elementos da sua definição específica: era o Tatbestand de Beling, o tipo. Nullum crimen sine typus. Como corolário do princípio da tipicidade, tem-se que a norma penal incriminadora tem que ser prévia (anterior ao fato, irretroativa), escrita (e não costumeira), restrita (proibição da analogia in malam partem), estrita (lei em sentido formal) e certa (não pode ser vaga ou indeterminada). Além disso, deve ser imperativa, geral, abstrata e impessoal, como lei que é. Assim é o princípio da taxatividade, a impor que a lei penal deve ser elaborada de forma clara e precisa, com função garantista, portanto.
2. ESPÉCIES DE LEI PENAL
Existem várias classificações:
a) leis penais ordinárias e extraordinárias (ex: lei penal excepcional);
b) leis penais gerais e locais; (extensão espacial de sua aplicação)
c) leis penais comuns e especiais (normas penais contidas );
d) leis penais completas e incompletas ou normas penais em branco;
b) leis penais gerais e locais; (extensão espacial de sua aplicação)
c) leis penais comuns e especiais (normas penais contidas );
d) leis penais completas e incompletas ou normas penais em branco;
3. CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS PENAIS
Existem diversas classificações das normas penais, sendo que a mais importante podem ser feitas de acordo com o seguinte critério:
a) leis penais incriminadoras ! são aquelas que possuem a estrutura preceito x sanção, isto é, definem os tipos legais de crime. Estão presentes na parte especial do Código Penal e na legislação extravagante. Não existem normas penais incriminadoras na parte geral do Código.
b) Normas penais não-incriminadoras – subdividem-se em três modalidades: normas permissivas (definem casos de exclusão de ilicitude ou de culpabilidade de certas condutas típicas); e normas penais finais, complementares ou explicativas (enunciam conceitos e delimitam o âmbito de sua aplicação)
b) Normas penais não-incriminadoras – subdividem-se em três modalidades: normas permissivas (definem casos de exclusão de ilicitude ou de culpabilidade de certas condutas típicas); e normas penais finais, complementares ou explicativas (enunciam conceitos e delimitam o âmbito de sua aplicação)
3. LEI PENAL INCRIMINADORA
As normas jurídicas são compostas de duas partes: preceito e sanção, sendo que no preceito encontra-se a conduta ordenada pelo Direito, podendo ser de proibição, obrigação ou permissão, enquanto que a sanção encerra a conseqüência da inobservância do preceito.
A norma penal incriminadora, estruturada da forma preceito e sanção, na qual o preceito incriminador contém a descrição da conduta criminosa. Com efeito o tipo do art. 121 não diz “não mate”, mas sim “matar alguém”. A proibição da conduta descrita no tipo está justamente na associação desta conduta a uma sanção.
4. NORMA PENAL EM BRANCO
A conduta proibida deve estar totalmente descrita em lei editada especialmente para essa finalidade pelo Poder Legislativo; todavia algumas situações apresentam características de mutabilidade e complexidade, exigindo uma intervenção penal adequada e dinâmica, daí a necessidade de normas que delimitam apenas parcialmente a incriminação, cuja complementação se dará com outras regras do ordenamento. Essas leis incriminadoras de preceito remetido ou incompleto são chamadas de normas penais em branco, no qual a sanção é determinada, porém o preceito é incompleto no seu conteúdo, necessitando de outro dispositivo legal para sua, existem duas categorias de normas penais em branco:
a) em sentido próprio ou estrito, quando o complemento tem natureza diversa e hierarquia inferior à da norma penal – lei estadual ou municipal, ato administrativo (portarias, resoluções, etc.). A complementação é heteróloga ou heterogênea. Ex: art. 12 da lei de tóxicos.
b) em sentido impróprio ou amplo, quando o complemento é uma lei federal. Trata-se de complementação homóloga ou homogênea (hierarquia e natureza idênticas às da norma penal em branco), havendo quem diferencie em homóloga homovitelina (o complemento é uma lei penal – ex: art. 178, CP) e homóloga heterovitelina (o complemento é uma lei extrapenal – ex: art. 312, CP).
b) em sentido impróprio ou amplo, quando o complemento é uma lei federal. Trata-se de complementação homóloga ou homogênea (hierarquia e natureza idênticas às da norma penal em branco), havendo quem diferencie em homóloga homovitelina (o complemento é uma lei penal – ex: art. 178, CP) e homóloga heterovitelina (o complemento é uma lei extrapenal – ex: art. 312, CP).
De ver-se que as leis penais em branco propriamente ditas, diferentemente das homólogas, não conferem ao poder complementar a possibilidade de alargar o campo da incriminação, mas apenas de regulamentar os claros por elas deixados, tratando-se de poder regulamentar, não podendo, pois, inovar na ordem jurídica.
5. HERMENÊUTICA PENAL
Interpretar a lei penal é procurar seu sentido, seu alcance e sua correta aplicação ao caso penal e, sendo a lei a única fonte formal de incriminação, a hermenêutica adquire maior relevância no Direito Penal.
Existem diversas classificações de interpretação penal:
a) quanto ao sujeito:
– legislativa ou autêntica: o próprio legislador edita uma lei cuja única finalidade é esclarecer o sentido de outra, podendo ser contextual (quando tem vigência concomitante à da lei interpretada – ex: art. 327, CP), ou sucessiva (quando é posterior – ex: art. 1o da lei n. 5429/67 em relação à lei n. 4898/65) e sua incidência é retroativa em ambos os casos; – doutrinária: feita pelos juristas e operadores do direito, por meio de suas obras, artigos, pareceres, etc., bem como pelos parlamentares através de estudos e exposições de motivos que acontecem no decorrer do processo legislativo; – jurisprudencial: pela repetição das decisões dos tribunais, que, não raro, inspiram o legislador, como no caso da prescrição retroativa.
b) quanto ao objeto:
– literal: procura o significado técnico ou gramatical – deve servir apenas como ponto de partida; – lógico: busca o significado racional do texto, podendo ser de quatro espécies: sistemática (vê o contexto em que a lei se insere, cotejando a norma com outras dentro do ordenamento jurídico), teleológica (procura a finalidade da norma, a mens legis), histórica (analisa o processo de formação da lei, as suas raízes) e sociológica (considera a realidade social a fim de que se adapte a norma a ela).
c) quanto ao resultado:
– declaratória: quando o texto interpretado diz exatamente o que teve intenção de dizer; – restritiva: quando o texto interpretado diz mais do que teve intenção de dizer, cabendo ao intérprete a sua redução – ex: o art. 28 diz que a emoção não exclui a imputabilidade penal, mas como a palavra "emoção" tanto pode significar uma perturbação momentânea da consciência quanto um sintoma de doença mental, deve se entender que o artigo mencionado quis se referir apenas ao primeiro sentido; – extensiva: quando o texto interpretado diz menos do que teve intenção de dizer, cabendo ao intérprete a sua ampliação, seja ela favorável (acolhida sempre – ex: é causa de extinção da punibilidade o casamento do agente com a vítima, cf. art. 107, VII, devendo ser incluído também o casamento da agente com a vítima) ou desfavorável (quando a técnica de redação da própria lei autoriza a ampliação – ex: o art. 235 fala de bigamia, mas deve ser abrangida também a poligamia).
6. ANALOGIA E INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA (ANALÓGICA)
A hipótese de interpretação extensiva desfavorável ao Réu não se confunde com a utilização da analogia in mala partem.
A interpretação extensiva ou analógica ocorre quando a própria lei faz uma definição casuística, elegendo alguns paradigmas. Após o elenco do(s) paradigma(s), a lei utiliza a expressão “ou outro...”, com as características daquele paradigma que devem ser levados em conta. Quando à autorização legal de ampliar o sentido se dá por meio de uma fórmula genérica, após enumeração casuística, tem-se a interpretação analógica ou intra legem, espécie da extensiva, portanto, de que é exemplo o art. 121, §2o, III, que diz "com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum")
Apesar de alguns defenderem que sempre existe uma norma para cada caso (dogma da completude), é possível que, ocorrendo um fato concreto, haja uma lacuna jurídica ou vazio normativo, pois o legislador não teria capacidade de prever todos os fatos da vida social, até porque eles são mutáveis. Para solucionar este tipo de problema, o Direito Penal deve-se valer das regras de integração sistemática, principalmente a analogia, os costumes e os princípios gerais de Direito e a eqüidade.
Pelo princípio da reserva legal, os tipos penais incriminadores devem ser previstos em lei – logo, não se admitem analogia, costumes ou princípios gerais para resolver uma lacuna de lei penal incriminadora ou agravadora. Já na lacuna de tipos penais permissivos é possível o uso de tais recursos para estender o benefício a situações não abarcadas previamente pela lei – ex: não se pune o aborto praticado por médico se a gravidez resulta de estupro (art. 128, II, CP) e, por analogia in bonam partem, se ela resulta de atentado violento ao pudor. Não se confunde a analogia com a interpretação analógica, pois esta supõe um fato e uma lei válida que, ao regulá-lo, utiliza-se de expressões semelhantes, enquanto aquela supõe dois fatos semelhantes e uma lei, que regula apenas um dos fatos.
II – LEI PENAL NO TEMPO
1. VIGÊNCIA DA LEI PENAL
A entrada em vigor de uma lei de aprovação pelo Congresso Nacional, após o que a mesma deve ser sancionada pelo Presidente da República, promulgada e logo em seguida publicada. Mas nem sempre a data da publicação corresponde à data de início de vigência da lei.
Quando a lei não dispuser sobre o dies a quo em que começa a entrar em vigor, aplica-se o art. 1º da Lei de Introdução ao Código Civil, que dispõe: “salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o País quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada”. Em outras palavras, a lei pode estabelecer o termo inicial de sua própria vigência. Não o fazendo, ela entra em vigor 45 dias após a publicação. O término de vigência formal de uma lei corresponde à sua revogação. Esta revogação pode ser total (ab-rogação), quando a norma perde totalmente sua vigência (ex: art. 95 da lei 8.212/91) ou parcial (derrogação), quando cessa parcialmente a autoridade da lei. A revogação pode ser também expressa (quando a lei revogadora dispõe, de forma expressa, a cessação de vigência da Lei anterior) ou tácita (quando o novo texto legal contém disposição incompatível com a legislação anterior ou regula inteiramente a matéria precedente). Ressalte-se que uma lei só pode ser revogada por outra lei de igual ou superior hierarquia. O costume não revoga a lei, como também não revoga o desuso. A lei, via de regra, produz efeitos apenas durante o período de sua vigência, em face do princípio tempus regit actum. A lei incide sobre a ação ou omissão ocorrida durante a sua vigência, nem antes (irretroatividade da lei penal incriminadora – decorre do princípio da reserva legal), nem depois (não ultra-atividade da mesma lei – lei sucedida por outra não pode mais incidir porque não faz mais parte do ordenamento).Ocorre, todavia que um crime, cometido sob a vigência de uma lei, pode vir a ser julgado sob a vigência de outra. Neste caso é preciso definir princípios e critérios sobre a eficácia da lei penal no tempo.
2. VIGÊNCIA DA LEI INCRIMINADORA
Para situações de conflito de leis penais no tempo, dois princípios regem a matéria:
a) irretroatividade da lei penal mais severa; b) retroatividade da lei mais benéfica.
No caso de sucessão de leis, cada uma vigendo ao tempo da conduta, da condenação e da execução, existem algumas hipóteses de conflitos, que devem ser examinadas:
a) a lei posterior cria um novo tipo legal de crime (novatio legis incriminadora);
Esta lei cria um tipo legal para uma conduta que antes era indiferente penal. Esta lei não possui efeito retroativo, não alcançando, portanto, fatos anteriores à data de início da sua vigência.
b) a lei posterior cria uma condição para um tipo legal de crime já existente que, em comparação com a lei anterior, é mais gravosa ou mais desfavorável ao agente (lex gravior ou novatio legis in pejus).
Também pelo princípio da irretroatividade, ela não se aplica a situações ocorridas anteriormente à sua vigência;
c) a lei nova extingue um tipo legal de crime (abolitio criminis);
A lei deixa de considerar crime conduta que antes era incriminada. Em face do princípio da retroatividade da lei mais benéfica, a abolitio criminis alcança o fato em qualquer fase em que ele se encontre. Se não há processo, o mesmo não pode ser iniciado; se há ação penal, a mesma deve ser trancada; se há condenação, a pena não pode ser executada; se o condenado está cumprindo pena, deve o mesmo ser solto imediatamente.
Nesses casos, há uma exceção ao princípio do tempus regit actum: mesmo que já exista coisa julgada, dá-se a retroatividade benéfica, prevista na CF, art. 5o, XL, e no CP, art. 2o, caput e §1o, além do art. 107, III, que prevê a abolitio criminis como causa de extinção de punibilidade.
d) a lei nova cria uma condição para um tipo legal de crime já existente que, em comparação com a lei anterior, é mais favorável ou menos gravosa ao agente (lex mitior ou novatio legis in mellius).
Em face do art. 2º do Código Penal, a lei posterior mais benéfica também tem efeito retroativo, o que excepciona o princípio tempus regit actum.
Aplicando estes princípios, pode-se perceber que vigência não se confunde com eficácia da lei, pois, em alguns casos, uma lei em vigor pode não ser eficaz (em relação a fatos cometidos antes de sua vigência, no caso de lei mais severa), e uma lei revogada pode ser eficaz (no caso de fato cometido na vigência de lei anterior mais benéfica).
A avaliação da maior benignidade da lei deve ser feita no caso concreto, e discute-se se seria possível o juiz fazer uma conjugação de partes das leis, pois alguns entendem que, nesse caso, o juiz estaria legislando, enquanto outros defendem que deve ser dada eficácia retroativa à parte da lei posterior que for mais benéfica e ultra-ativa à parte da lei anterior que for melhor que a lei nova. Prevalece, modernamente, o entendimento de que cabe combinação de leis.
Se leis ordinárias incriminadoras ou não incriminadoras forem sucedidas por lei mais favorável, esta retroagirá. Se as leis ordinárias forem sucedidas por lei mais desfavorável, terão eficácia ultra-ativa sobre o fato ocorrido sob a sua vigência. De notar-se que, sendo uma lei A (época do fato) sucedida pela B, e esta pela C (época da solução do caso), se a lei intermediária for a mais favorável, deverá ser a aplicada – será retroativa e ultraativa ao mesmo tempo.
Em caso de crime permanente ou habitual, iniciado sob a vigência de uma lei e prolongando sob a de outra, vale esta, ainda que mais desfavorável. Tratando-se de crime continuado, podem surgir algumas situações: se novatio legis in pejus, aplica-se esta; se novatio legis incriminadora, só responde pelos fatos cometidos sob a sua vigência se presentes os requisitos para configurar a continuidade delitiva; se abolitio criminis, há retroatividade desta lei.
Por fim, sendo norma penal em branco, qual solução quando lei posterior modifica o complemento, favorecendo o sujeito? Alguns doutrinadores, como Hungria, Noronha e Frederico Marques pronunciam-se pela retroatividade benéfica. Já Damásio de Jesus entende que sendo a norma penal em branco constituída de duas partes, a disposição a ser complementada e o complemento: se o complemento possuir caráter de excepcionalidade ou de temporariedade, haverá ultra-atividade, e não retroatividade do complemento posterior que seja mais benéfico.
3. LEIS TEMPORÁRIAS E EXCEPCIONAIS
As leis, em regra, surgem com prazo indeterminado de vigência. Outras existem, todavia, que predeterminam no seu próprio texto o termo ou condição de sua vigência. São as leis excepcionais ou temporárias, auto-revogáveis, que podem ser:
a) leis excepcionais ! vigem enquanto perdurarem situações especiais, como guerras, calamidades públicas; voltando a situação ao normal, revogada estará a lei;
b) leis temporárias ! também regulam situações transitórias, mas delimitadas no tempo (fixam o prazo de sua vigência).
Em face do art. 3º do CP, tratando-se de leis ordinárias ou excepcionais, o agente não pode invocar a retroatividade benéfica com base na ausência de lei incriminadora quando se dá a auto-revogação daquelas leis, porque são ultra-ativas, ou seja, são eficazes mesmo decorrido o prazo de sua vigência ou cessadas as circunstâncias que a determinaram. Tal ultra-atividade não se revela inconstitucional porque, em verdade, o problema é de tipicidade. (as condições e o tempo são elementares do tipo penal, tal como no furto noturno e no infanticídio).
Só há retroatividade da lei posterior em caso de lei excepcional ou temporária se a lei posterior contiver não só a conduta, mas também as circunstâncias anormais da lei excepcional ou temporária.
2. MOMENTO DA INFRAÇÃO
Na maioria dos delitos, o resultado é contemporâneo ao comportamento; em outros casos, há uma dilação temporal entre esses dois momentos, daí a necessidade de se determinar quando se considera o instante em que a infração ocorreu e, para tanto, existem três teorias:
a) teoria da atividade ou da conduta; b) teoria do resultado; c) teoria da ubiqüidade ou mista.
As duas últimas têm o inconveniente de poderem considerar criminosas condutas que, ao tempo em que foram praticadas, eram lícitas. Já a teoria da atividade, além de não ter esse defeito, ainda leva em conta que, ao decidir praticar o crime, o agente tinha condições de conhecer do caráter ilícito de sua conduta. É a adotada pelo CP, art. 4º.
III – LEI PENAL NO ESPAÇO
1. INTRODUÇÃO
A aplicação da lei penal no espaço relaciona-se com os limites de incidência e eficácia de normas penais de determinado Estado soberano quanto a infrações ocorridas sob a sua própria soberania ou sob a de outro Estado.
O princípio geral é o locus regit actum ou da territorialidade, inerente à soberania, eis que não existe Estado sem território sobre o qual incide seu ordenamento jurídico: a aplicação territorial da lei é a projeção, na delimitação geográfica e política do Estado da sua própria soberania. Todavia essa territorialidade não é absoluta, mas moderada, visto que excepciona regras de Direito Internacional (art. 5o, CP).
Mas para se entender tal princípio, é mister responder a algumas questões:
a) onde se considera praticado o crime; b) o que é território nacional; c) quando a lei penal brasileira não é aplicável ao crime ocorrido em território nacional
2. LUGAR DO CRIME
A maioria dos crimes se dá num único local (crime unilocal); às vezes, porém, as fases de realização das infrações podem ocorrer em lugares diferentes, como nos crimes plurilocais (quando as etapas do iter acontecem em locais diversos, porém dentro do mesmo território – têm relevância apenas processual) e nos crimes à distância ou de espaço máximo (quando as etapas ocorrem em territórios diferentes). Existem três teorias para definir onde se considera praticado o crime:
a) teoria da atividade ou da conduta: lugar da ação;
b) teoria do resultado ou do evento: lugar em que se produz o resultado pretendido pelo agente ou onde ele deveria ter sido produzido; c) teoria da ubiqüidade ou mista: lugar da ação ou do resultado.
As duas primeiras teorias podem levar a um absurdo lógico, pois se um crime plurilocal for cometido num Estado que adota o critério do resultado e seu resultado for produzido em outro que adota o critério da atividade, haverá a impunidade do crime, o que não acontece com o critério da ubiqüidade, acolhido pelo nosso CP, art. 6o. Em outras palavras, basta que o crime tenha “tocado” o território nacional, isto é, que qualquer dos elementos do iter puníveis (a partir da execução até a consumação) tenham ocorrido no território nacional.
3. CONCEITO DE TERRITÓRIO
Território nacional é o espaço geográfico da soberania, incluindo o mar territorial (doze milhas – lei n. 8617/93) e o espaço aéreo correspondente.
Também são consideradas território nacional as embarcações e aeronaves públicas ou as que estão a serviço do Estado, onde quer que se encontrem, bem como as embarcações e aeronaves brasileiras, mercantes ou de propriedade privada quando estiverem em alto mar ou no espaço aéreo correspondente – é o território nacional por extensão (art. 5o, §1o).
São também consideradas território nacional as embarcações e aeronaves privadas estrangeiras que estejam em mar territorial brasileiro ou no espaço aéreo correspondente quando da prática da infração (art. 5o, §2o). As embarcações e aeronaves públicas estrangeiras não são consideradas território nacional, mesmo que estejam em mar territorial brasileiro ou no espaço aéreo correspondente quando da prática da infração.
De ver-se que não há extensão territorial quando se trata de embaixadas, consulados, legados ou prédios públicos, apenas a aplicação da lei brasileira em crimes ocorridos em seu interior pode sofrer limitações quanto as pessoas que exercem determinadas funções em virtude de convenções ou tratados diplomáticos.
4. EXTRATERRITORIALIDADE
Em alguns casos, o Direito Penal brasileiro pode alcançar condutas ocorridas fora do território nacional, o que se chama de extraterritorialidade, para infrações que, de algum modo, têm grande relevância para o país e, mesmo, para a comunidade internacional, e se coaduna com um programa mundial de repressão à criminalidade.
É preciso, contudo, que haja um liame entre o ordenamento brasileiro e o crime cometido no exterior a fim de conferir-lhe legitimidade para a punição. A extraterritorialidade é regida pelos princípios:
a) princípio da proteção ou da defesa real ! aplica-se a lei penal brasileira ao crime cometido contra bem jurídico brasileiro no exterior (art. 7o, I, b e c) b) princípio da personalidade ! aplica-se a lei brasileira do país de origem de uma das pessoas envolvidas no delito (sujeito ativo ou passivo) e subdivide-se em: – personalidade passiva ! a lei penal brasileira aplica-se ao crime praticado contra brasileiro no exterior (art. 7o, I, a e §3o); – personalidade ativa ! a lei penal brasileira aplica-se ao crime cometido por brasileiro em outro país (art. 7o,I, d e II, b) c) princípio cosmopolita, da competência universal ou da justiça universal: a lei penal brasileira é aplicável aos crimes que, pela sua repercussão internacional, o Brasil se comprometeu a reprimir por meio de tratados e convenções (art. 7o, II, a). d) princípio da representação quando o Estado em cujo território ocorreu a infração deixa de submeter o autor à sua jurisdição. Aplica-se a lei brasileira aos crimes cometidos no interior de embarcações e aeronaves brasileiras, mercantes ou de propriedade particular quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados (art. 7o, II, c).
A extraterritorialidade pode ser condicionada ou incondicionada, isto é, para que a lei brasileira seja aplicável pode ser ou não necessário o preenchimento de outros requisitos (condições objetivas de punibilidade), além do elemento de conexão. Tais requisitos encontram-se nos §§ 2o e 3o, art. 7o, CP. São condições para que a lei penal brasileira seja aplicável por força dos princípios da nacionalidade ativa, da justiça universal e da representação:
" a entrada do agente no território nacional, " a punibilidade do crime no Estado em que ocorreu, " a possibilidade de extradição " a inocorrência de absolvição ou de cumprimento de pena no estrangeiro " e inexistência de perdão ou de extinção da punibilidade.
Para o princípio da nacionalidade passiva, além dessas condições, é necessário, ainda, que não tenha sido pedida ou negada a extradição e que tenha havido requisição do Ministro da Justiça.
A extraterritorialidade é incondicionada quando, existindo o elemento de conexão, a lei penal brasileira incide, independentemente da ocorrência de qualquer outra condição. Ela se dá nos casos do inciso I do art. 7o, CP, ainda que o agente tenha sido absolvido ou condenado no estrangeiro (§ 1o, art. 7o).
O art. 8º disciplina os efeitos da pena cumprida no estrangeiro por crime também sujeito à lei brasileira. Para evitar o bis in idem, o CP estabelece duas regras: se a pena cumprida no estrangeiro for da mesma natureza da pena aplicada no Brasil, faz-se a detração (art. 42); se de naturezas diversas, a pena brasileira será atenuada (art. 8o).
Jurisdição é ato de soberania. Por isso mesmo, a sentença estrangeira tem seus efeitos limitados no Brasil. Ela depende de homologação no STF (a rigor, é a homologação do STF que produz efeitos), apenas para obrigar o condenado à reparação do dano e outros efeitos civis, e para sujeitá-lo a medida de segurança.
5. APÊNDICE
Para fins penais, o prazo é contado incluindo-se o dia do começo e consideram-se os dias, meses e anos de acordo com o calendário comum (art. 10).
Não são computadas nas penas privativas de liberdade e privativas de direitos as frações de dia, e, nas penas de multa, as de cruzeiro (rectius: Real), ou seja, os centavos (art. 11).
Por fim, o art. 12 manda que sejam aplicadas as regras gerais do CP aos fatos incriminados por lei especial, salvo disposição em contrário – assim, as normas contidas na Parte Geral do Código Penal (arts. 1o a 120), além das normas não-incriminadoras contidas na Parte Especial serão, em regra, aplicadas na legislação complementar, salvo e lei especial dispuser de forma diversa.
IV – CONFLITO APARENTE DE NORMAS
1. INTRODUÇÃO
Quando existem unidade de fato e pluralidade de normas vigentes que parecem incidir sobre ele, tem-se o conflito aparente de normas. Aparente porque o Direito Penal é um todo harmônico, há uma só lei para aquele caso, apenas parece que a incidência é múltipla e concomitante. De ver-se que não se trata de concurso de crimes.
Há três princípios que buscam estabelecer qual a norma aplicável àquele caso: especialidade, subsidiariedade e consunção; fala-se num quarto, a alternatividade, que, na verdade, não é um princípio, como se verá.
2. ESPECIALIDADE
Diz-se que uma norma é especial em relação a outra, geral, quando ela contém todos os elementos destas e mais alguns, chamados especializantes – ex: infanticídio em referência ao homicídio. Prefere-se a lei especial à geral porque entende-se que ela trata de forma mais adequada a situação nela prevista, mesmo que imponha pena maior ou menor ao agente. Lex specialis derogat legi generali. De notar-se que a análise é feita no plano abstrato e que é o único princípio que está positivado – art. 12, CP.
3. SUBSIDIARIEDADE
Diz-se que uma norma é subsidiária em relação a outra quando descreve um tipo menos grave, um menor grau de violação, podendo ser explícita (quando a própria lei faz a ressalva – "se o fato não constitui crime mais grave") ou implícita (a lei não é expressa, mas é possível fazer a ilação). A análise é no caso concreto. A norma subsidiária só é chamada quando não se configura o tipo mais grave (lex primariae derogat legi subsidiariae) – a punição é residual neste caso, daí porque a norma subsidiária é denominada "soldado de reserva". Exs: ameaça quanto ao roubo e falsa identidade quanto ao estelionato.
4. CONSUNÇÃO
Diz-se que há consunção, ou absorção, quando o conteúdo descritivo de uma norma engloba, consome o de outra, existindo entre elas um liame de necessidade: o tipo menos abrangente (crime consunto ou consumido) é etapa necessária ou normal para se realizar o tipo mais abrangente (crime consuntivo), daí porque este prevalece (lex consumens derogat legi consumptae). A análise também é feita no caso concreto.
Damásio de Jesus, citando Asúa, diz que a consunção pode se dar de cinco formas:
a) de imperfeição a perfeição (atos preparatórios puníveis ! tentativa ! consumação); b) de auxílio a conduta direta (partícipe ! autor); c) de minus a plus (crimes progressivos); d) de meio a fim (crimes complexos); e) de parte a todo (progressão criminosa).
No crime progressivo, o verbo núcleo do tipo contém em si uma forma menos grave pela qual o agente passa necessariamente para execução de tal crime – ex: para matar-se alguém necessariamente provoca-se lesão corporal ! só responde pelo homicídio.
Quanto ao crime complexo, cujo tipo legal encerra elementares ou circunstâncias que, por si próprios, constituem crimes, não há consenso na doutrina, pois alguns entendem que aplicar-se-ia os princípios da especialidade ou subsidiariedade, a depender do caso.
Por fim, quanto à progressão criminosa, que se dá quando um crime, já praticado, concretiza-se ainda pela prática sucessiva de outro crime que se relaciona com o primeiro. Pode ser de três espécies: progressão criminosa em sentido estrito (seria um crime progressivo que se desvincula no tempo – ex: o autor, inicialmente, só quer ferir, mas após lesar a vítima, decide matá-la e o faz ! só responde por homicídio); antefactum impunível (quando o fato anterior menos grave é fase necessária ou normal de realização do mais grave – ex: possuir instrumentos empregados usualmente na prática do furto, que é uma contravençao, e praticar o furto ! só responde pela subtração) e postfactum impunível (quando o fato posterior menos grave é realizado contra o mesmo bem jurídico e do mesmo sujeito passivo, sem causar outra ofensa; seria um exaurimento – ex: furtar e, depois, destruir a res furtiva ! responde apenas pelo furto).
5. ALTERNATIVIDADE
Quando a lei penal prevê diversos fatos alternativamente, como formas de um mesmo crime, a norma penal é aplicável apenas uma vez, mesmo que o agente tenha praticado todas as condutas sucessivamente. São os casos de tipos de ação múltipla ou conteúdo variável, tais como os art. 122, CP art. 12 da Lei n. 6368/76. Em verdade, não se trata de conflito aparente de normas porque as condutas descritas encontram-se todas no mesmo preceito primário.
V – LEI PENAL EM RELAÇÃO ÀS PESSOAS
1. IMUNIDADES DIPLOMÁTICAS
Como visto, o princípio da territorialidade não é absoluto, pois há casos de crimes cometidos em nosso território que não se sujeitam à aplicação da lei penal brasileira: são as prerrogativas dadas a pessoas que exercem determinadas funções, e essas imunidades decorrem tanto do Direito Internacional (imunidades diplomáticas), quanto do Direito Constitucional (imunidades parlamentares e do advogado).
A imunidade diplomática é concedida ao agente diplomático que pratique crime em nosso território; em verdade, ela não significa isenção de crime, pois o agente pode ser submetido a julgamento pelo Estado acreditante, mas exclusão da jurisdição brasileira. Funda-se nas práticas de respeito e cortesia, indispensáveis para a convivência harmoniosa entre os povos.
São imunes o embaixador ou agente diplomático, os familiares e as pessoas que exercem função diplomática (mesmo que brasileiras), bem como os abrigados ou asilados no espaço físico da legação, seus documentos e correspondência. Não o são os empregados particulares (mesmo que estrangeiros) e o pessoal não oficial da missão diplomática que não represente o país estrangeiro, como os cônsules.
2. IMUNIDADES PARLAMENTARES
Existem para o bom exercício das funções públicas dos parlamentares e englobam duas espécies de imunidades: a material (substantiva ou absoluta) e a formal (processual ou relativa).
A primeira é a inviolabilidade na manifestação de pensamento, que significa que os deputados federais e senadores são invioláveis por suas palavras, votos e opiniões, isto é, não cometem "crimes de palavras" (art. 53, caput, CF). Muito se discute sobre a natureza jurídica da imunidade material: para Pontes de Miranda e Nelson Hungria, é causa excludente de crime; para Heleno Fragoso, é causa pessoal de exclusão de pena; para Damásio de Jesus, é causa funcional de exclusão ou isenção de pena; para Magalhães Noronha, é causa de irresponsabilidade.
Inicia-se com a diplomação do parlamentar e perdura até o fim do mandato, sendo que, após este, não pode ser processado pelo suposto crime de opinião praticado durante o mandato, é irrenunciável e, segundo o STF, deve haver liame entre o pensamento manifestado e as funções do congressista. Também se estende aos vereadores dentro da circunscrição territorial do município e aos deputados estaduais, dentro dos seus respectivos estados (arts. 27, §1o e 29, VIII, ambos da CF).
Já a imunidade processual significa que os parlamentares não podem ser processados por crimes comuns sem prévia licença da Casa respectiva, nem podem ser presos, salvo flagrante de crime inafiançável, quando, então, os autos deverão ser remetidos, dentro de vinte e quatro horas, para a respectiva Casa, para que, pelo voto secreto da maioria absoluta de seus membros, delibere a respeito da prisão e da formação de culpa (art. 53, §§ 1o e 3o , CF). De salientar-se que o indeferimento do pedido de licença ou a sua não apreciação suspende o prazo prescricional. Tais prerrogativas se estendem também para os deputados estaduais no âmbito territorial de seus estados, mas não para os vereadores.
Apenas a título de complementação, igualmente o exercício da advocacia, considerado pela CF como indispensável à administração da justiça, está resguardado pela inviolabilidade profissional (art. 133, CF), nos limites da lei (art. 142, I, CP).
RELAÇÃO DE CAUSALIDADE
1. CONDUTA PUNÍVEL
Partindo do conceito analítico de crime (conduta típica, ilícita e culpável), primeiramente há necessidade de se estabelecer o que é conduta, pois sobre ela incidirá a apreciação normativa.
Todo fato punível é, antes de tudo, uma conduta, uma realização da vontade humana no mundo exterior. Não há crime sem conduta, que serve como suporte material sobre o qual se arrimam a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade. O Direito Penal moderno é o Direito penal da ação, e não o Direito Penal do autor.
Teorias sobre a conduta:
a) teoria causal-naturalista da ação: também chamada de mecanicista, a conduta é um movimento corporal causador de modificação no mundo exterior. Ação é a causa voluntária, ou nãoimpeditiva, de um resultado no mundo exterior. Prescinde-se da finalidade pretendida, bastando que tenha sido voluntária para que seja considerada típica. O elemento subjetivo (dolo ou culpa) deve ser apreciado na culpabilidade, como elemento desta. b) teoria finalista da ação: segundo esta teoria, a ordem jurídica não tenciona proibir apenas processos causais, mas somente condutas orientadas finalistiicamente. A conduta humana é uma atividade final, e não um comportamento meramente causal; como a vontade está na ação e esta encontra-se no tipo, também o dolo e a culpa estão na tipicidade. Conduta é uma atividade livre e consciente dirigida à produção de um resultado. Foi a teoria adotada pelo CP a partir de 84. c) teoria social da ação: a ação é a conduta socialmente relevante, dominada ou dominável pela vontade humana. Como o Direito Penal só se preocupa com as condutas socialmente danosas e como socialmente relevante é o comportamento que atinge a relação do indivíduo com seu meio, se não houver relevância social, não haverá relevância jurídico-penal; a ação socialmente adequada, como a do médico que realiza uma incisão cirúrgica no paciente, está, ab initio, excluída do tipo porque se realiza dentro do espectro de normalidade da vida social. É uma ponte entre as duas outras teorias.
O Direito não cria condutas, mas as rege, ou seja, proíbe-as, obriga-as ou as permite, sob cominação de sanção. Desta forma, não podem ser puníveis as atuações finalistas regidas como permitidas pelo Direito, mas apenas aquelas qualificadas como proibidas. Assim, haverá conduta punível quando o Direito proibir a sua realização (preceito de proibição) e o sujeito, finalisticamente, a realizar (ação) ou quando o Direito determinar a sua realização (preceito de comando) e o sujeito, finalisticamente, não a realizar.
2. CLASSIFICAÇÃO DAS CONDUTAS PUNÍVEIS
a) quanto à atuação - conduta comissiva - conduta omissiva
b) quanto à finalidade - conduta dolosa - conduta culposa
3. AUSÊNCIA DE CONDUTA
Existem casos em que, embora ocorra intervenção no ambiente da qual advenham danos relevantes a bens jurídicos, faltará o suporte material do crime (inexistência de vontade ou de atuação). São as hipóteses de:
a) coação física absoluta;
b) atos reflexos; c) estados de inconsciência.
4. RESULTADO
Há duas concepções acerca do resultado. Uma concepção normativa, e uma concepção naturalística. Pela teoria naturalística, o resultado é a modificação no mundo externo causada por um comportamento humano. Seria o efeito material (situação real de dano ou de perigo) da conduta, descrito por um tipo legal de crime – relaciona-se com o mundo fenomênico.
Pela concepção normativa o resultado é analisado do ponto de vista jurídico, pela qual o resultado nada mais é do que a lesão ou perigo de lesão a um bem ou interesse protegido pelo direito.
Nessa ordem de idéias, pode haver crime ser resultado naturalístico (ex: crimes de mera conduta) mas não há crime sem resultado jurídico, pois, em face do princípio da lesividade, não há crime sem lesão ou perigo de lesão a bem jurídico.
Toda conduta pode implicar resultado, mas esse resultado pode não ser imprescindível para a configuração do crime (o tipo não descreve resultado algum ou, descrevendo, não exige que se produza).
Classificação: a) crimes materiais – descrição e exigência do resultado; b) crimes formais – descrição sem exigência do resultado; c) crimes de mera conduta – não há descrição de resultado.
5. CAUSALIDADE
Antes de saber se a conduta está proibida pela norma, importa investigar se ela foi causa material do resultado. Se não há nexo causal entre a conduta de alguém e o evento típico, o agente não responde pelo crime.
A relação de causalidade material é o vínculo que se estabelece entre ação e resultado. Para que haja delito, não basta ação. É preciso que ela tenha relevância causal para a produção do resultado, de que depende a existência de crime.
A causalidade, portanto, tem função limitadora da imputação e a importância do seu estudo relacionase com os crimes materiais, pois, conforme diz o art. 13, 1ª parte, o resultado, de que depende a existência de crime, só é imputável a quem lhe deu causa. A relação de causalidade é o liame entre conduta e resultado naturalístico.
O que é causa em Direito Penal?Teorias no estudo da causalidade:
a) teoria da totalidade das condições;
b) teoria da causalidade adequada;
c) teoria da predominância (Binding);
d) teoria da relevância jurídica;
TEORIA DA EQUIVALÊNCIA DOS ANTECEDENTES CAUSAIS (conditio sine qua non): teoria adotada pelo Código Penal. Por essa teoria, causa é todo antecedente que tenha contribuído para que o resultado tivesse ocorrido como, quando e onde ocorreu. Tem origem no pensamento de Stuart Mill e foi introduzida no Direito Penal por Von Buri. Foi a adotada pelo nosso CP, art. 13, 2a parte: “considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”.
Para saber se uma conduta é ou não causa do resultado, recorre-se ao processo de eliminação hipotética de Thyrén. Causa é todo evento que, suprimido mentalmente, faria com que o resultado não tivesse ocorrido da forma em que ocorreu.
Objeta-se que a teoria adotada teria o inconveniente de permitir a regressão ad infinitum na busca pela causa – Assim, para não punir a mãe do criminoso (se ela não tivesse o filho, ele não cometeria
o crime; se o industrial não fabricasse a arma, o crime não teria ocorrido). Mas a causalidade tem limites, que se encontram na própria ação, pois, não havendo dolo ou culpa, não há ação punível, de modo que, se não há ação punível, não se pode falar em causalidade.
5.1. SUPERVENIÊNCIA CAUSAL
A teoria da equivalência dos antecedentes (conditio sine qua non) foi a regra adotada pelo Código Penal. No entanto, a regra tem uma exceção, no art. 13, § 1º, do Código Penal, que trata da superveniência causal.
Para saber do que trata o art. 13, é preciso estudar as hipóteses em que outras circunstâncias – além da conduta do agente ou até mesmo independente da conduta do agente – vêm a ter relevância causal para a ocorrência do evento. São as chamadas concausas, que podem ser:
a) absolutamente independentes – que produz o resultado de forma independente da conduta do agente.
– preexistentes (ingestão de veneno anterior ao tiro); – concomitantes (infarto no momento do tiro, estando o atirador de tocaia); – supervenientes (desabamento fatal após a colocação do veneno no copo da vítima).
Nessas hipóteses, o resultado não é atribuído ao agente, pois as circunstâncias absolutamente independentes produziriam o resultado, houvesse ou não conduta por parte do agente. Então, utilizandose a eliminação hipotética, a conduta do agente não seria causa, e, por isso, não responderia ele pelo resultado. Aplica-se a regra do art. 13, caput.
b) relativamente independentes – a conduta do agente tem relevância causal, combinada com uma outra concausa, que pode ser:
– preexistente (hemofílico é baleado e morre de hemorragia); – concomitante (a vítima sofre de um infarto no instante em que é alvejada, provando-se que a lesão contribuiu para o colapso cardíaco); – superveniente (a vítima baleada é levada numa ambulância, ainda com vida, e o veículo capota, vindo a mesma a morrer no acidente).
A regra, na hipótese de concausa preexistente ou concomitante (relativamente independente) é que o agente responde pelo resultado, pois ele contribuiu para que o resultado tivesse ocorrido como, quando e onde ocorreu. Aplica-se o art. 13, caput, do CP
Na hipótese de concausa superveniente relativamente independente, deve-se aplicar a regra do art. 13, § 1º:
“A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, portanto, imputam-se a quem os praticou.
Nesse caso, pode-se ver que existem dois tipos de superveniência causal:
" a que “por si só” produziu o resultado – que exclui a imputação " a que “por si só” não produziu o resultado – que não exclui a imputação.
A causa que por si só produziu o resultado é aquela que está em outra linha de desdobramento físico da conduta do agente, isto é a que cria outra linha causal (ex: a vítima é ferida e levada ao hospital, onde vem a morrer em face de um desabamento). O agente não responde pelo resultado.
A causa que por si só não produziu o resultado é aquela que está na mesma linha causal da conduta do agente ( a pessoa é feria e morre em consequência da infecção do ferimento no hospital) O agente responde pelo resultado.
5.2. CAUSALIDADE NA OMISSÃO
Ação em sentido amplo, no Direito Penal, engloba a ação em sentido estrito (fazer o que o ordenamento proíbe) e a omissão (não fazer o que a lei obriga): tipos comissivos e omissivos respectivamente. Do ponto de vista fenomênico, a omissão é um nada (do nada, nada surge), todavia omissão penalmente relevante para o Direito Penal é o não cumprimento de um dever jurídico de agir em circunstâncias tais que o omitente tinha a possibilidade física ou material de realizar a conduta devida. Na omissão não há propriamente uma relação de causalidade, mas de “não-impedimento”, porque a causalidade na omissão não é física, mas normativa. Deve, pois, preencher os seguintes pressupostos:
a) dever jurídico que impõe uma obrigação de agir ou de evitar um resultado proibido; b) possibilidade física ou material de agir; c) evitabilidade do resultado.
O dever jurídico pode ser imposto pelo preceito do próprio tipo (preceito de comando). Tipo omissivo, realizado por qualquer pessoa que se encontre naquelas condições descritas no tipo; omissão própria.
O dever jurídico também pode ser imposto a pessoas que, por sua especial posição perante o bem jurídico, recebem ou assumem a obrigação de assegurar a sua conservação. O tipo é comissivo, porém, excepcionalmente, o resultado que ele proíbe (preceito proibitivo) é realizado por meio de uma omissão; tipo omissivo impróprio ou comissivo por omissão. Não é genérico, não pode ser praticado por qualquer pessoa, mas apenas por aquelas às quais o ordenamento impõe o dever de impedir a produção do resultado. Art. 13, §2o, CP – a posição de garantidor pode advir de:
a) dever legal de cuidado, proteção ou vigilância; (ex; mãe que deixa de amamentar o filho) b) assunção, de outra forma, da responsabilidade de impedir o resultado; (ex: professor de natação que deixa o aluno afogar-se) c) criação de risco da ocorrência do resultado com o seu comportamento anterior. (quem causa um incêndio e podendo, se nega a prestar socorro)
Nos exemplos citados, o agente não responde por omissão de socorro (crime omissivo próprio), mas por homicídio (na forma comissiva por omissão), porque existe o dever específico, oriundo da lei, do contrato ou de fato causado pelo agente, de evitar o resultado.
Quanto à possibilidade física de evitar o resultado, decorre da lógica, visto que não se pode garantir a conservação de um bem jurídico além do que a realidade permite. Por fim, no que se refere à evitabilidade do resultado, deve-se investigar se a realização da conduta devida impediria ou não o resultado; se impedisse, a omissão seria causa desse resultado; se, a despeito do atuar do agente, o resultado ainda assim teria ocorrido, concluir-se-ia que a omissão não provocou o resultado, e este não poderia ser atribuído ao omitente.
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